segunda-feira, 17 de junho de 2013

Leis de Fryette: é hora de repensar o modelo?



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Mas afinal, o que são “as leis de Fryette”?
Em 1918 Fryette divulgou um modelo biomecânico, baseado nas possibilidades de acoplamento vertebral, cujos estudos partiram de uma coluna dissecada com uma ligeira compressão vertebral e publicou suas observações no seu livro “principles of osteopathic technic”. Baseado nestas leis, encontraríamos três tipos de disfunção:
Tipo I, ou primeira Lei, também conhecida como NSR: uma disfunção em inclinação lateral e rotação contra-lateral.
A primeira lei postula que quando o sujeito está em pé com a coluna em posição neutra (sem flexão ou extensão), a inclinação para um lado será acompanhada por rotação para o lado oposto.
Já a segunda lei diz respeito às lesões não neutras e afirma que quando a coluna é flexionada ou estendida (não neutra) a inclinação para um lado será acompanhada por rotação para o mesmo lado. Por exemplo, se o sujeito flexiona a coluna, e inclina lateralmente para a direita, a rotação ocorrerá para a direita.
Tipo II em extensão (ERS), onde encontraremos uma disfunção em extensão, inclinação lateral e rotação ipsilateral; a tipo II em flexão (FRS), com disfunção em flexão, inclinação lateral e rotação ipsilateral.
Finalmente a terceira lei, a única que podemos dizer à luz do paradigma mecânico, que realmente funciona: quando introduzimos o movimento em um plano, isto irá reduzir o movimento nos outros dois.
Embora o próprio Fryette nunca tenha chamados suas propostas de leis, estas foram adotadas por inúmeras escolas de osteopatia dos EEUU e Europa, constituindo-se na base dos diagnósticos osteopáticos que envolvessem a coluna vertebral.
Até hoje este modelo e adotado pedagogicamente por muitas escolas de osteopatia.
Ocorre que sua inadequação aos padrões biomecânicos sugeridos pelos estudos mais recentes me leva a considerar qual o lugar mais adequado para este modelo. Será que ele deve ser completamente abandonado? Ou quem sabe talvez repensado a luz de uma medicina ou osteopatia baseada em evidências.
A análise atual é baseada em modelos tridimensionais. Esta metodologia de estudo, principalmente quando aplicada à coluna lombar, resulta em respostas discrepantes e conflitantes em relação a proposta de Fryette (Vicenzino, Fryer, etc)
Estes estudos mostram que, em alguns casos, o movimento principal pode vir acoplado com mais cinco movimentos. Esta informação já aponta para uma inexatidão nos padrões FRS/ ERS/NSR, propostos pelas leis de Fryette.
Vamos pegar, à guisa de exemplo, o ensino clássico das técnicas de Energia Muscular, de Mitchell (MET), que são praticamente casadas com as leis de Fryette, como discute Gary Fryer em seu brilhante artigo: Muscle energy concepts: a need for a change (conceitos de energia muscular: necessidade de mudança), publicado em 2000. “Se os pacientes possuem restrições de inclinação e rotação, não poderia haver o envolvimento de restrições simultâneas de flexão ou extensão. Desta maneira dentro dos tratamentos clássicos não existem descrição de técnicas que possibilitem combinar inclinação, rotação associadas às restrições de F ou E, mas sabemos que na prática clínica elas podem ocorrer”.
John Bayliss, outro crítico das leis de Fryette, sustenta, tomando como base a coluna torácica, que “se a coluna torácica se articulasse como a teoria proposta por Fryette, nós, como humanos, estaríamos impedidos de respirar de forma eficiente. Isto porque as costelas deveriam estar em paralelo para que respirássemos corretamente. Assim você não pode ter uma teoria que diz que elas inclinam e rodam”.
Harrison e colaboradores também já haviam demonstrado, em uma revisão sistemática, que investigações tridimensionais completas dos padrões de acoplamento têm mostrado que as vértebras rodam e transladam em todos os três eixos e que teorias prévias de acoplamento baseadas em estudos bidimensionais são inacuradas e inválidas.
Em 2001 um osteopata chamado Gibbons publicou um artigo sobre os riscos e benefícios das manipulações vertebrais, e discutiu as Leis de Fryette: “Existe evidencia para dar suporte as LEIS DE FRYETTE em relação à inclinação lateral e rotação acopladas para a coluna cervical, ou seja, a inclinação lateral e rotação ocorrem do mesmo lado (Stoddard 1969; Mimura et al. 1989). Entretanto a evidência em relação ao acoplamento da coluna lombar é inconsistente (Pearcy &Tibrewal 1984; Plamondon et al. 1988; Panjabi et al. 1989; Vincenzino &Twomey 1993). Como conseqüência as Leis de Fryette podem ser úteis para prever o acoplamento na coluna cervical, mas cuidado deve ser exercido com a interpretação para as colunas lombar e torácica.“
Por causa disso, algumas escolas Europeias já não ensinam baseados nestas Leis, embora aqui no Brasil e América do Sul a maioria das escolas continue a fazê-lo.
Como docente que fui durante anos não vejo muita lógica em ensinar baseado em um modelo já ultrapassado e venho discutindo isto, desde longa data, com meus colegas professores de diferentes escolas de osteopatia. Talvez eu seja uma das poucas vozes que clamam no deserto.
A justificativa comum à manutenção do ensino destas regras geralmente passa pela crença de que este modelo facilita a compreensão dos alunos iniciantes. Ou então a consideração de uma tradição pedagógica, etc.
É inegável que o dr. Harrison Fryette teve uma grande contribuição para nosso entendimento atual de como a coluna vertebral funciona. Entretanto esta idéia foi testada ao longo dos últimos anos, de maneira que as evidências atuais mostram que existem algumas lacunas nas idéias originais de Fryette. Estas lacunas precisam ser consideradas. Acredito
que se tais idéias persistiram até hoje é porque foram uma boa maneira de explicar as lesões osteopáticas vertebrais antes dos estudos mencionados acima.
Mas o me preocupa é esta resistência que se cria no âmbito acadêmico em relação ao novo, a ponto de alguns grupos ignorarem trabalhos relevantes e manterem uma ideia aparentemente superada.
Então deixo aqui uma pergunta para reflexão dos leitores: será que é valido perpetuar um modelo de ensino, baseado num modelo biomecânico defasado em relação às propostas biomecânicas atuais, somente para preservar uma ideologia ou uma tradição?
Palmiro Torrrieri Junior
PT, DO Hon, MCTA



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